O
que é mentoria espiritual? (spiritual
coaching)
Ao contrário do que
possa parecer, a mentoria espiritual está mais para um exercício de vida
simples e de amizade cristã, do que uma atividade profissional baseada em
fórmulas que só servem para distanciar as pessoas umas das outras. A mentoria
espiritual tem por princípio o relacionamento com o outro, mas de tal modo que
se torna resultante de um primeiro e grande relacionamento que se dá entre o
mentor e mentoreado com Deus como o grande Outro.
Somente a partir do
estabelecimento de uma relação com Deus é que o indivíduo consegue superar os
limites de uma existência autocentrada, egoísta e manipuladora. É isso que
tornará possível uma aproximação do outro de forma amorosa e dentro dos
princípios ensinados por Jesus Cristo.
Até mesmo no campo da
mentoria profissional, um mentor, tutor ou coach não é um mero treinador. Seu
trabalho não se resume em oferecer instrução particular, ensino e supervisão em
uma determinada área de atividade. Há que se compartilhar também a vida.
Mentoria espiritual
exige uma sensibilidade para entender o modo de Deus agir, uma atitude de
respeito e de compaixão para com aqueles com quem convivemos a fim de
desenvolvermos juntamente a habilidade de aprender com as situações mais comuns
da vida. É como a reconstrução de uma casa após uma grande enchente. Não basta
restaurar a aparência da casa. Tem que se limpar por dentro, reorganizar a
vida, recompor os móveis. Para esse recomeço, a solidariedade, a generosidade e
a gratidão são os valores mais importantes a serem cultivados.
Lembro-me do vizinho de
meu cunhado. Ele tinha uma linda casa de madeira toda envernizada. Era a casa
mais linda do bairro. Um dia, um incêndio consumiu toda a casa. O casal de
proprietários perdeu tudo. Não deu tempo de salvar nada. Não tinham nem roupa
mais para se vestir. Foi aí que funcionou a solidariedade. Hoje, uma outra casa
está reconstruída no terreno. Mas o casal jamais será o mesmo.
No que diz respeito à
mentoria espiritual, a casa somos nós mesmos, em nossa integridade. Isso tem a
ver com a nossa identidade. As transformações culturais que acontecem na
sociedade têm devastado o universo de nossos valores e também a maneira como
compreendemos a nós mesmos. É preciso revirar os escombros e refazer as
fundações para reconstruir uma vida tal como ela foi criada para ser. É disso
que trata a mentoria espiritual.
Nessa condição, somos
todos mentoreados e Jesus Cristo é o único e verdadeiro mentor capaz de nos
ajudar a reconstruir uma vida que possa fazer sentido. A mentoria espiritual
tem, então, um grande fundamento teórico: os ensinos deixados por Jesus Cristo,
conforme está registrado na Bíblia. Só que esses estudos devem ser analisados à
luz da história, da filosofia e da psicanálise para se chegar a uma compreensão
mais adequada de quem somos.
É nesse sentido que
Jesus Cristo pode ser considerado o mentor mais hábil e mais eficiente que já
se conheceu. Durante seu ministério, ele aconselhou, exortou, motivou e
orientou seus discípulos, de tal forma que transformou a vida de pessoas
simples. O método que Jesus usou pode ser comparado ao que atualmente é
conhecido como life coaching, cujos conceitos podem ser aplicados à atividade
executiva tanto nas grandes corporações quanto em pequenas empresas.
O grande desafio da
mentoria espiritual é, portanto, fazer de Jesus o grande coach da nossa vida
pessoal e de aprofundar esse relacionamento no sentido de fazer com que a vida
e os ensinos dele sejam reproduzidos em nós.
Mentoria,
coaching e espiritualidade
Você certamente já
ouviu falar que liderar é executar as tarefas enquanto se constroem
relacionamentos. Esta é a ideia defendida por escritores como James Hunter. Nos
dias de hoje, você não consegue legitimidade da sua atuação como líder se não
for através da construção do relacionamentos com seus companheiros de equipe. O
que você descobre hoje é que os líderes bem sucedidos ajudam seus colaboradores
a crescer e se adaptarem através de um programa de relacionamentos conhecido
como mentoria. O nível de envolvimento do líder em desenvolver mentoria
demonstra o quanto ele se preocupa com sua equipe e isso encoraja a todos os
envolvidos para a mudança e para a inovação. Até mesmo os conflitos são mais
bem trabalhados por valorizar os relacionamentos interpessoais e a comunicação.
A grande razão para a
existência desse tipo de atividade é o fato de que não há formas de organização
humana sem conflito. Não podemos ignorar o fato de que as nossas interações
formam uma rede, um tecido social que influencia a conduta humana. As pessoas
normalmente aprendem através das ações intencionais, das crises e também dos
relacionamentos. As ações intencionais nos remetem ao saber fazer, o tipo de
conhecimento que está em alta em nossos dias. As crises nos estimulam a uma
reflexão sobre o melhor aproveitamento dos recursos e das oportunidades a fim
de construir uma condição melhor. Mas é nos relacionamentos que identificamos
nossos pontos fracos e fortes e podemos encontrar caminhos para a realização
pessoal.
Como uma atividade
voltada para o mundo corporativo, a mentoria tem assumido pelo menos duas
formas distintas, mas muito próximas entre si. Quando a mentoria é praticada
por um nível hierárquico superior, com a finalidade de orientar o subordinado e
de fazer com que as intenções da liderança sejam transformadas em ação, tem
sido chamada de coaching.
Quando a preocupação
está voltada para a vida como um todo, não só para as questões ligadas à
carreira e à organização, tem sido chamada de mentoring. Nesse nível de
mentoria, o que prevalece é o valor da pessoa como ela é, sem a preocupação com
superação ou com tomadas de decisões, mas com o real interesse de aprofundar
relacionamentos, realçar valores humanos e aumentar o nível de comprometimento
com as pessoas.
A mentoria é uma
estratégia muito antiga. Para alguns, ela foi pela primeira vez registrada na
literatura na obra de Homero. A Bíblia tem relatos de atividade de mentoria
bastante curiosos. Os profetas bíblicos desenvolviam seus discípulos através de
um relacionamento muito próximo. Foi o caso do profeta Elias com o seu auxiliar
Eliseu, que por sua vez, quando se tornou profeta, teve como auxiliar o jovem Jeazi.
Jesus teve doze discípulos que foram treinados para o apostolado, mas ele
escolheu três – Pedro, Tiago e João – para serem os mais próximos.
A mentoria é baseada na
vivência, no caminhar junto, no compartilhar a vida. Poucos mentores
profissionais sabem que seu principal papel não é ter todas as respostas, mas
construir juntos o caminho para uma relação amigável, justa, equilibrada. É
claro que o maior beneficiado de um ambiente em que as pessoas se respeitam e
reconhecem o seu valor é a própria organização. Por isso que mais de um terço
das grandes empresas nos Estados Unidos desenvolvem programas de mentoria,
segundo as pesquisas por entidades ligadas à área de recursos humanos.
Quando é a hora de se
preocupar com isso? (a) Quando a situação de crise externa exige flexibilização
das ações; (b) quando a competitividade aumenta; (c) quando os conflitos
internos atrapalham os relacionamentos; (d) quando se torna necessária a busca
de novas ideias.
Mas você não precisa
esperar ficar doente para poder ir ao médico. Você pode adotar um estilo de
vida saudável e periodicamente procurar o médico para os exames preventivos e
de rotina. Esse é o papel da mentoria na vida da organização: promover um
ambiente saudável para os relacionamentos, viabilizar a comunicação
interpessoal de forma eficaz, prevenir as possibilidades de conflito e
valorizar as pessoas pelo que de fato elas são. Quem precisa disso? Todos.
Famílias, empresas, escolas, igrejas, organizações, sindicatos, partidos
políticos, órgãos públicos. É preciso redescobrir um modo para humanizar as
relações a fim de tornar a vida mais significativa. O grande desafio da
mentoria é verdadeiramente transformar indivíduos em pessoas.
Jesus
e a transformação de indivíduos em pessoas
É possível aplicar os
ensinos de Jesus em um contexto tão ambíguo como tem se caracterizado o
comportamento do mundo corporativo nesse estágio em que o capitalismo chegou? A
resposta é positiva, embora deva ficar bem claro que o pensamento desenvolvido
por Jesus Cristo está voltado para uma preocupação que está na contramão da
mentalidade contemporânea.
Alguns livros têm
surgido nessa área que servem de bons referenciais teóricos a fim de promover
uma aproximação entre os princípios cristãos e uma práxis de mercado que leve
em consideração muito mais a realização pessoal do que a conquista de lucro. É
o caso de Mentoria Espiritual: O desafio de transformar indivíduos em pessoas,
de James M. Houston (Ed. Mundo Cristão). Há também: Jesus Coach, de Laurie
Beth Jones (Ed. Mundo Cristão), e Jesus CEO, da mesma autora (Ed. Ediouro), que
procuram apresentar o estilo de Jesus em treinar os seus discípulos de tal
forma que os transformou em líderes eficazes, em relação à missão para a qual
foram designados.
A preocupação desses
autores é de mostrar que o que orientou as atitudes de Jesus como um mentor
espiritual foi a perspectiva de resgatar a condição humana e fazer com que
indivíduos até então com vidas inexpressivas experimentassem uma transformação
significativa. Para isso, Jesus se utilizou de três estratégias: o ensino
voltado para as habilidades, a ação efetiva e responsável comprometida com o
outro e os relacionamentos movidos pela compaixão.
Foi assim que ele
treinou doze homens oriundos de experiências tão diversas e ao mesmo tempo tão
comuns. A força com que os chamou fez com que aqueles seus colaboradores
tivessem a vida modificada de repente, de modo que nunca mais foram os mesmos.
Esse grupo não era formado por pessoas extraordinárias ou sobrenaturais. Eles
eram humanos, demasiadamente humanos, passíveis de um questionamento, cheios de
temores, mas que foram conduzidos a se tornarem líderes capazes de levar a cabo
a missão que lhes fora entregue como se fosse a sua própria missão de vida.
Para entender esse
aspecto, é preciso analisar o papel de Jesus Cristo destituído daquilo que a
teologia lhe atribui. Uma compreensão de Cristo que não seja meramente
histórica, mas que também não esteja vinculada a uma doutrina. Um Jesus que
atue muito mais como um homem que tomou as decisões acertadas e que serviu de
fonte de inspiração para outros, no sentido de que seu exemplo fosse imitado.
Um líder que esteja
para além do Messias, pois foi isso que ele foi enquanto aqui viveu. Ele abriu
mão de sua glória para que pudesse ser absolutamente homem, e que deve ser
visto como tal em sua função de líder, professor e chefe. Foi isso que o fez
motivar sua equipe e tornar efetiva a relação com seus colaboradores. Sua
capacidade de gerenciar pessoas e situações de conflito, associada a uma
mensagem confrontadora aos padrões da época, fez dele o maior exemplo de
espiritualidade que já existiu.
Mesmo que não se aceite
a pessoa de Jesus Cristo como o Filho de Deus, Senhor e Salvador de todos os
que creem, não se pode discordar de que seus ensinos e seu exemplo
constituem-se um forte argumento em favor de uma reavaliação sobre o modo como
temos conduzido nossas ações e para apontar caminhos para a reconstrução de uma
vida que possa fazer sentido.
Quando
a mentoria espiritual é necessária
Em que medida a
mentoria pode ser considerada como uma atividade espiritual? Na medida em que
ela nos remete a uma compreensão de nós mesmos como humanos. E isso vale para o
mentor e para o mentoreado. A mentoria como atividade humana surge da
necessidade de encontrar sentido para as coisas que fazemos em um contexto de
trabalho dominado pela mentalidade engendrada pelo capitalismo. Empresas, na
maioria das vezes, adotam programas de mentoria e coach porque estão
preocupadas em aumentar sua competitividade e fazer com que os membros da
equipe aumentem a sua capacidade de produção.
Mas a mentoria vai além
disso. E será tão eficaz quanto necessária na medida em que estiver vinculada a
uma noção de espiritualidade. Quando uma empresa começar a se preocupar com a
questão da espiritualidade aplicada ao mentoreamento, deve se preparar para uma
reviravolta no mundo interior de seus colaboradores. O que vai passar a
orientar a vida das pessoas que se interrelacionam são novos valores, novos
princípios, novas conquistas que vão sendo consolidadas ao longo das
descobertas que serão feitas.
Defendo uma
espiritualidade que seja expressão humana, uma atitude em face dos conflitos
constitutivos de nossa condição humana. Atitude essa que tem a ver com a nossa
necessidade de sermos felizes e de encontrar sentido para a nossa vida. Para
esse modo de compreender, tenho como pressuposto o fato de que essa
espiritualidade se dá a partir de um relacionamento pessoal com Jesus Cristo e
pela formação de seu caráter em nós.
Não se justifica uma
mentoria que seja espiritual que não tenha como princípio a formação do caráter
de Cristo. De um lado, é preciso que o mentor ou coucher tenha um
comprometimento pessoal de construir uma identidade que se aproxime da pessoa
de Jesus, que assuma a sua forma, que se torne conforme a imagem de Cristo. De
outro, que o objetivo seja o de fazer com que a pessoa mentoreada assuma o
compromisso de também construir sua identidade conforme a mesma imagem de
Cristo.
Assumir a forma de
Cristo ou reproduzir o caráter de Cristo só se torna possível a partir da
análise e vivência dos seus ensinamentos, que estão contidos na Bíblia.
Considero que Jesus Cristo foi o maior mestre de espiritualidade que já viveu e
que a Bíblia, onde estão registrados seus ensinos, o maior manual de orientação
espiritual que já se produziu – tanto que tem influenciado centenas de gerações
há mais de três mil anos, abrangendo três grandes religiões mundiais: o
cristianismo, o islamismo e o judaísmo.
O que se faz
necessário, portanto, é desenvolver um programa de mentoria que leve em
consideração a espiritualidade como expressão humana e que, ao mesmo tempo, se
preocupe com a construção de identidade à semelhança de Jesus Cristo conforme o
que se depreende nas Escrituras. Isso não significa repetir os modelos que
foram construídos ao longo da história do cristianismo, nem mesmo formatar as
descobertas aos padrões de uma religiosidade. Há que se inovar na busca de
novos caminhos para a interpretação e para a descoberta de formas de se aplicar
os valores e princípios à vida.
Uma mentoria nesses
termos é um grande desafio porque é inovadora. Implica mudanças de
comportamento das pessoas a partir da constatação de sua necessidade. Por que
sua empresa precisa de um programa de mentoria? Para aumentar sua
competitividade e eficiência ou para fazer com que as pessoas sejam felizes e
encontrem sentido para a sua vida? Se for o primeiro caso, mentoria não passa
de uma estratégia para fazer com que seus colaboradores deem mais de si do que
eles já estão dando, e isso soa para eles como exploração, em última análise.
Mas se é o segundo caso, a mentoria espiritual é o caminho.
Exemplo
de mentoria espiritual
Um dos exemplos de
mentoria espiritual que encontramos na Bíblia é Barnabé. Você já ouviu falar de
alguma procissão em devoção a São Barnabé? Já leu algum livro, carta, bilhete
ou quem sabe um “scrap” escrito por Barnabé? Conhece algum grande feito que ele
realizou ou algum grande movimento que liderou? Eu também não. Apesar disso,
ele é o maior exemplo de prática da mentoria espiritual que podemos encontrar
na Bíblia depois de Jesus Cristo.
A história de Barnabé é
relatada no livro de Atos dos apóstolos. Ele mesmo não era um apóstolo. Era um
membro comum da comunidade de cristãos de Jerusalém. Sua vida é conhecida por
causa das atitudes que tomou em meio a situações de tensão experimentadas pela
igreja. Essas atitudes evidenciavam marcas inconfundíveis de seu caráter. Pelo
menos algumas dessas situações podem ser alistadas como definidoras dos grandes
valores que orientavam a sua vida.
O primeiro valor era a
generosidade. Logo no começo, quando a igreja ainda dava os seus primeiros
passos, os cristãos desenvolveram o hábito de fazer doações para ajuda mútua. E
um dos exemplos expressivos, que mereceu o registro histórico foi o de Barnabé.
“José, um levita de Chipre a quem os apóstolos deram o nome de Barnabé, que
significa ‘encorajador’, vendeu um campo que possuía, trouxe o dinheiro e o
colocou aos pés dos apóstolos”. Atos 4.36-37.
O segundo valor era
investir em pessoas. Assim que o temível Saulo se converteu, a presença dele
assustava a igreja e até incomodava. Mas Barnabé acreditou na conversão dele e
“lhes contou como, no caminho, Saulo vira o Senhor, que lhe falara, e como em
Damasco ele havia pregado corajosamente em nome de Jesus”. Atos 9.27. Depois,
quando precisou de um companheiro, “Barnabé foi a Tarso procurar Saulo e,
quando o encontrou, levou-o para Antioquia. Assim, durante um ano inteiro
Barnabé e Saulo se reuniram com a igreja e ensinaram a muitos. Em Antioquia, os
discípulos foram pela primeira vez chamados cristãos”. Atos 11.25-26. Se Paulo
foi o que se tornou, agradeça a Barnabé.
O terceiro valor era o
compartilhamento. Quando os irmãos em Antioquia começaram a se reunir, Barnabé
foi até lá para ajudá-los: “Este, ali chegando e vendo a graça de Deus, ficou
alegre e os animou a permanecerem fiéis ao Senhor, de todo o coração.” Atos 11.23.
E quando a própria igreja de Antioquia quis enviar missionários, não teve
dúvidas: “Enquanto adoravam o Senhor e jejuavam, disse o Espírito Santo:
‘Separem-me Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho chamado’. Assim, depois
de jejuar e orar, impuseram-lhes as mãos e os enviaram”. Atos 13.2-3.
O quarto valor era a
cooperação. O ministério de Barnabé era: “fortalecendo os discípulos e
encorajando-os a permanecer na fé, dizendo: ‘É necessário que passemos por
muitas tribulações para entrarmos no Reino de Deus’.” Atos 14.22. E quando
tinha que partir para outra cidade: “Paulo e Barnabé designaram-lhes
presbíteros em cada igreja; tendo orado e jejuado, eles os encomendaram ao
Senhor, em quem haviam confiado”. Atos 11.23.
Mas o irremediável
Barnabé não parou quando Paulo resolveu seguir seu próprio rumo. Lá estava ele
de novo apostando tudo na formação de João Marcos: “Tiveram um desentendimento
tão sério que se separaram. Barnabé, levando consigo Marcos, navegou para
Chipre” - Atos 15.39.
Fonte: http://filosofiaeespiritualidade.blogspot.com